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DESTINOS DESLOCADOS

por Carol Maluf

“O exílio nos compele estranhamente a pensar sobre ele, mas é terrível de experienciar. Ele é uma fratura incurável entre um ser humano e um lugar natal, entre o eu e seu verdadeiro lar: sua tristeza essencial jamais pode ser superada. E, embora seja verdade que a literatura e a história contêm episódios heróicos, românticos, gloriosos e até triunfais da vida de um exilado, eles não são mais do que esforços para superar a dor mutiladora da separação. As realizações do exílio são permanentemente minadas pela perda de algo deixado para trás para sempre.”

                                                            Edward Said, Reflexões sobre o exílio

 

“Ter raízes é talvez a necessidade mais importante e menos reconhecida da alma humana.”

                                                            Simone Weil


Em nome de Gido e Teta, para Francesca e Roberto


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 PREFÁCIO

 Destinos Deslocados nasceu de um forte sentimento que me perseguiu por praticamente toda a vida como uma sombra grudada aos meus pés – ou melhor, à minha alma. É um sentimento que se manifesta na busca por descobrir quem sou de fato e compreender a sensação permanente de “não pertencer” que sempre me afligiu.

          Não pertencer, não encaixar, não entender, não concordar e, por fim, não aceitar. Sempre tive dificuldades para aceitar minha diferença, não aquela óbvia e inerente ao ser humano – somos todos individuais e únicos –, mas uma diferença mais sutil, camuflada por mim às vezes de propósito, mas quase sempre de forma inconsciente.

Talvez até pareça que estou tentando dizer que considerava essa diferença algo negativo, mas a verdade é que na maioria do tempo me sentia especial – e isso é muito perturbador. Durante anos achei que devia dizer algo, mas não sabia o quê. Finalmente aceitei a sugestão feita por alguns amigos: escrever um romance. Não sobre um tema que era secreto, mas sobre as histórias que gostava de contar em encontros sociais e que faziam as pessoas se divertirem e rirem por alguns instantes.

Lembro bem da ocasião em que sentei pela primeira vez em frente ao computador com o propósito de escrever este livro. Era 2001, o ano das Torres Gêmêas. Não sei se os atentados terroristas influenciaram minha decisão de começar, mas é possível que sim, já que aqueles fatos levaram cada um de nós a refletir sobre a vida e o mundo.

          Minhas histórias eram banais e divertidas, mas sempre havia quem perguntasse “quando?”, “onde?” e “por quê?”... Eu então abria parênteses para tentar resumir dois mil anos em um minuto e, assim, não perder o fio da meada.

          Contar qualquer coisa sobre o Oriente Médio não é uma tarefa fácil. Alguns fatos podem ser datados, mas há muitos relatos truncados e imprecisos, seja por interesse ou por falhas de memória. Como eu, uma leiga, poderia me atrever a escrever sobre algo que muitos dedicaram a vida a tentar conhecer?

Logo percebi que cada linha do relato que brotava do papel era um pedaço de mim. Entendi que, na verdade, eu estava tentando esclarecer aquilo que me perturbava desde criança: o sentimento de “não pertencer”. Eu agora sabia claramente de onde vinha, e isso aliviava aquela dor perturbadora.

          O exílio é um lugar sem lugar definido, um Estado sem nome. Não sou uma refugiada, não sou uma fugitiva, nem uma sobrevivente, sou apenas mais uma imigrante. Como afirmar, então, que estou no exílio? Exilados pensam em voltar? São nacionalistas fanáticos? Tentam manter vivas suas tradições e costumes? Este é o exilado clássico, aquele que todos conhecem. Destinos Deslocados é resultado de uma busca permanente de um tipo de exilado que poucos reconhecem, o imigrante.

 

São Paulo, julho de 2007

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