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Invertendo os Bons Modos

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Há alguns anos, tive a oportunidade de fazer um passeio guiado pelo Palácio de Versalhes, na França. Não foi uma visita clássica, daquelas em que se fala da obra arquitetônica ou das peças que lá se encontram; foi mais algo na linha dos hábitos e costumes. Saber não somente como vivia a família real, mas também um pouco mais sobre aqueles que frequentavam o local. Interesses como hábitos de higiene, lazer, alimentação, educação à mesa, reuniões secretas de estado, e por aí vai.

Num dado momento, o guia se ateve à questão dos bons modos e etiquetas sociais em geral daquela época. Tirando a óbvia caricatura dos momentos “Maria Antonieta” e coisas que não cabem mais em nossos dias e realidade, confesso que muita coisa fazia sentido. Eis que, em dado momento, uma senhora que acompanhava o grupo perguntou ao guia o que seria considerado de extremo mau gosto e falta de educação entre as pessoas que por ali passavam. O guia levantou os olhos, sorriu e exclamou em bom e alto tom: “Falar sobre, e sobretudo, se gabar dos próprios filhos antes que o tempo e a vida lhes tenham dado oportunidades para tanto!” Silêncio geral. Um incômodo acabara de se alojar entre nós. Como assim? Do que é que ele estava falando? Como poderia algo tão prazeroso ser visto como algo socialmente inaceitável?

O guia então responde que algo que foi muito óbvio em dado momento da história deixara de ser com o passar dos tempos. Precisávamos de uma explicação, mas acabamos recebendo várias. Divido-as aqui com vocês e as deixo como reflexão:

  1. Era considerado extremamente enfadonho. Assuntos que não diziam respeito a todos, ou não eram do interesse geral, não cabiam em ambientes sociais. Devem ficar restritos à privacidade do lar. Assuntos de salão eram aqueles dos quais todos podiam participar.
  2. O locutor não conhecia a situação dos filhos, ou da falta de filhos, de seus interlocutores. Podiam ter perdido um filho na batalha, podiam ter sido traídos pelos rebentos. Enfim, falar sobre os filhos poderia magoar ou constranger alguns presentes.
  3. Para os tempos onde não existia a propaganda, kkkkk, o verdadeiro herói era aquele que se provava, ao vivo e a cores. Não cabia a terceiros vangloriar os atos de alguns; os fatos falavam por si só e, com o tempo, viravam histórias dignas de serem contadas. É também por isso que sabemos tanto sobre o passado, pois os fatos eram contados após o acontecido, e não vice-versa como hoje. Hoje contamos o sucesso futuro antes dele acontecer. Acho que Eike Batista cabe aqui como exemplo. É como se o Rei garantisse que o exército liderado pelo seu filho era o melhor e que certamente venceria os inimigos. Se isso não se concretizava, era um mico enorme. Já pensou?
  4. E finalmente o último motivo que captei, e aquele do qual mais gostei. Não cabe aos pais vangloriarem os filhos, mas sim aos filhos vangloriarem os pais. Por quê? Porque ao vangloriarmos os filhos (na maioria das vezes, não sempre é claro, pois o mérito existe), na verdade estamos vangloriando a nós mesmos. Estamos disfarçadamente elogiando nossos feitos, dizendo ao outro o que nós somos capazes de fazer pelo outro. Vejam, até hoje a frase “Eu, Rei Sol”, é usada como definição de arrogância; em referência ao próprio criador de Versalhes, Luís XIV, que diga-se, não teve escolha ao subir ao trono aos 5 anos de idade. Autos elogios nunca são bem vistos, não é verdade? Quando um pai fala de um filho, fala de si mesmo; quando fala de seus pais, faz um reconhecimento, uma deferência ao outro.

Devo confessar que, ao meu ver, faz total sentido. Quando ouço alguém falar dos filhos, tento prestar atenção, mas quando, raramente, alguém fala com orgulho dos pais ou conta histórias que serão passadas adiante de geração em geração, aquilo me emociona demais. Fico preocupada em notar que invertemos a ordem das coisas. Como assim? Desde quando nossos filhos alcançaram mais, com sua pouca vivência e idade, em contraste aos nossos pais? Que tempos são esses em que tememos tanto pelo bem-estar deles e pelo sucesso (diga-se de passagem, que o conceito de sucesso é relativo) que já narramos, antes de acontecer, o futuro brilhante deles? Isso sem contar o castigo eterno ao qual os estamos sujeitando. Terem que cumprir nossas profecias. A que pressão dolorosa nós os estamos submetendo? E para quê?

Enfim, com todos os erros que possam ter cometido, nossos pais, de alguma maneira, equivocada ou não, nos trouxeram até aqui. Querendo ou não, devemos reconhecer que eles cumpriram uma jornada, e, a não ser em casos isolados de abusos ou maus-tratos físicos e mentais, esses pais merecem nossa deferência. Assim como esperamos que um dia nossos filhos reconheçam nossos esforços e nos levem no coração e, sim, quem sabe na memória. Mas para isso, temos que parar de falar sobre eles, inclusive para eles, e para todos que nos ouvirem, e começarmos a contar de onde viemos. Pois quem não sabe de onde está vindo, dificilmente conseguirá entender para onde tem que ir. Acho que já disse isso antes. Mas gosto de relembrar. Peço aos meus leitores que não fiquem horrorizados com esse meu “post”, pois sou a primeira a reconhecer o “Mea Culpa” sobre o tema abordado!


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