Voltei. É verdade que me ausentei desta página por algum tempo, mas esse tempo foi o suficiente para reavaliar algumas das minhas reflexões sobre o país onde moro. Aqui fico ora otimista, ora pessimista. Uma coisa maluca! E não entendia por quê.
Nestas últimas duas semanas, consegui fazer um zoom out da minha imersão intensa nas questões mundanas do meu cotidiano e olhar para o Brasil com olhos de estrangeiro. Mastiguei jornais internacionais e li relatos de terceiros, menos emotivos e mais pragmáticos sobre o mundo. Escolhi publicações voltadas a um público diverso, formado por viajantes, que não têm o brasileiro como leitor central.
Também percebi algo curioso: encontrar notícias sobre o Brasil não era tarefa fácil. Talvez naturalmente acreditamos ter uma relevância muito maior do que realmente temos. Ainda assim, foi o suficiente para que, durante um café da manhã solitário, ao virar a última página de um dos jornais que lia, uma visão mental me atingisse como um raio.
À beira de um ataque de ansiedade, provocado tanto pelas notícias que lia quanto pelo forte café espresso que tomava, imaginei o mundo como um grande hospital, onde os países eram os pacientes, divididos em três categorias.
Na primeira ala estavam os terminais, aqueles sem salvação — pelo menos não nesta encarnação. Entre eles, a Síria, que parece não ter jeito.
Na segunda categoria, os doentes graves, mas com grandes chances de recuperação e alta. Aqui estariam alguns países europeus, passando por maus bocados, mas sendo tratados com remédios eficazes.
E, por fim, a terceira ala: os doentes crônicos. Aqueles que sobreviverão, mas que sempre carregarão os sintomas da doença. Por vezes, ela estará sob controle; em outras, surtos agudos e insuportáveis os acometerão.
É aqui que vejo o Brasil. Sim, sofremos de uma doença crônica, aquela que não tem cura, mas que aprendemos a suportar da melhor maneira possível.
De acordo com o dicionário, uma doença crônica é aquela que dura há muito tempo, persistente e inveterada. No nosso caso, porém, é pior. Nossa doença é congênita, enraizada em nosso DNA cultural e, pior ainda, hereditária. É transmitida de geração para geração, correndo nas veias centrais da nossa sociedade e se espalhando pelos vasos sanguíneos das instituições.
Essa doença tem nome: corrupção.
A corrupção no Brasil não é apenas um problema sistêmico; é um elemento enraizado no inconsciente coletivo. Está nos grandes escândalos políticos, sim, mas também nos pequenos atos do dia a dia: o “jeitinho brasileiro”, as fraudes nas filas de prioridade, o suborno para escapar de uma multa, a sonegação de impostos. Cada um desses gestos reforça a ideia de que a regra é quebrável e que o benefício individual vale mais que o bem coletivo.
E onde erramos tanto? Na incapacidade de fazer a distinção moral e ética entre o público e o privado. Esse é um dos pilares fundamentais de qualquer sociedade que busca a justiça social: compreender que o que é público pertence a todos, e deve ser gerido com transparência e responsabilidade; enquanto o privado é o que cabe à esfera individual, protegida, mas limitada pelos interesses coletivos.
No Brasil, historicamente, essa linha divisória tem sido borrada. Desde os tempos coloniais, herdamos o patrimonialismo, onde o poder público era tratado como uma extensão dos privilégios privados de quem o ocupava. É moralmente errado usar o que é de todos para benefício próprio, mas isso tem sido normalizado em nossa cultura. Um cargo público, por exemplo, deveria significar servir à população, e não servir-se dela. Essa inversão de valores, que coloca o interesse individual acima do coletivo, é a base da nossa doença crônica.
Quando deixamos de valorizar o que é moralmente certo, perdemos a noção de que as instituições públicas existem para todos, e não para atender interesses particulares. Assim, perpetuamos a desigualdade e o descrédito nas instituições. Isso afeta tudo: desde o descaso com o dinheiro público até a corrupção em pequenos atos cotidianos, que nos parecem inofensivos, mas corroem os alicerces éticos da sociedade.
A boa notícia, se é que existe, é que essa doença não mata. De tempos em tempos, vemos surtos de indignação e protestos que funcionam como anti-inflamatórios temporários, aliviando a dor por um período. Mas, assim como em qualquer doença crônica, as crises voltam, e o ciclo recomeça.
Como descrever essa condição? Não preciso. Todos a conhecem e a vivem diariamente. Ninguém entende melhor uma doença crônica do que quem a experimenta na pele.
Vou tomar meu anti-inflamatório. Volto logo.
© Copyright Tempo De C Ver