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A Cerega Do Bolo

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Ah, as primeiras impressões! É sempre um espetáculo observar quando alguém me conhece e, com aquele olhar de raio X, pensa: “Olha só, mais uma perua simpática…” E lá se vão, sem nem considerar que eu poderia ser uma companhia fascinante para uma boa conversa. Arrogância? Que nada, é só falta de treino mesmo.

Isso me lembra de uma época em que minha família estava com as finanças mais apertadas que roupa de mergulhador. Minha mãe, sempre cheia de ideias, sugeriu um passeio no shopping. Como de costume, ela se vestiu como se fosse tomar chá com a rainha: elegante, parecendo a própria Jackie O. Entramos numa loja de grife, e, imediatamente, minha mãe foi cercada por vendedoras e até pela gerente, todas sorrindo como se tivessem visto uma celebridade. Logo depois, entrou uma moça de jeans e camiseta, que ficou olhando as araras por uns bons dez minutos e saiu sem ser atendida. Minha mãe, com um sorriso maroto, cochichou no meu ouvido: “Mal sabem elas que não tenho um centavo na bolsa e que, provavelmente, aquela moça que acabou de sair estava pronta para fazer uma grande compra.” E continuou a entreter a gerente com uma conversa que não levaria a lugar nenhum.

É fascinante como as pessoas acreditam que os outros sempre se apresentam exatamente como são. Certo e errado não têm figurino definido. Ainda vivemos numa sociedade onde as aparências ditam o comportamento. E isso me faz pensar nos “julgamentos” legais que vemos diariamente por aí. É desanimador perceber que, depois de milhares de anos, ainda continuamos a JULGAR PESSOAS e não seus ATOS.

Em um julgamento oficial, o foco deveria ser na infração cometida, não no indivíduo. Qualquer boa defesa pode argumentar que um ladrão é também um bom pai de família, que um corrupto ajudou pessoas necessitadas, que um assassino se comoveu diante de tragédias, e por aí vai. Continuamos a julgar o livro pela capa. Se julgarmos a pessoa, corremos o risco de sermos influenciados por aspectos que podem ou não ser verdadeiros e acabarmos cometendo erros grosseiros.

Devo me comover porque alguém vai comer mal no presídio depois de viver uma vida de luxos, ou porque fez o que fez sob ordens e estava com medo de dizer não? Esse negócio de considerar a vida pregressa de um réu ou seus atributos é um grande perigo. O que está em julgamento é o ato, e cada ato tem uma consequência. Novamente, é muito simples: causa e efeito (qual a causa? O tiro disparado. Qual o efeito? A morte de alguém). Ação e resultado (qual a ação? Desviou dinheiro público. O resultado? Esvaziou o caixa social). O resto é cereja no bolo que, certamente, não garante o sabor.

Qualquer deliberação é mais eficiente (e rápida) quando tiramos o foco do indivíduo e colocamos no seu ato! Não tenho interesse em saber o que aconteceu antes, ou o que levou alguém a cometer uma infração; esse tipo de informação só é relevante na hora de decidir o tamanho da pena, e mesmo assim com certas ressalvas. O histórico do indivíduo é absolutamente irrelevante quando estamos diante de um fato comprovado. Não é porque alguém foi capaz de um ato digno que não seja capaz de cometer um desvio de conduta!


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